A morte me faz pensar de novo

José Rodrigues.   Sua graça?
Patrícia.
Disse ter 90 anos, mas tinha 88
Nessa idade deve ser confortante arredondar para mais
Era um ancião enorme
Repousando em sua cama cheia de travesseiros
O que esbanjava de assunto faltava na voz, fraca e sedenta
Eu tentava ler os lábios desdentados
Sussurrando verdades antigas
Ficara viúvo aos 74
Seus olhos umideceram diferentes por esse relato
Sentada no chão, fingia entender tudo o que ele dizia
Tocava-lhe os pés, e ele parecia não sentir.
Como a vida pode ser um cativeiro
De constantes ciladas.
É preciso coragem para morrer
Mais coragem ainda é preciso para viver
Quando tudo se torna um muro de limitações.
A vida me doeu demais naqueles olhos embaçados
Sei que minha sensibilidade está aflorada pelos rubros dias de fêmea desconsolada
Mas aquele homem eu tive vontade de carregar no colo
Lhe servi seu jantar, segurei-lhe para que não tombasse
Quando lhe servi um dedinho de pinga
Que até então era nosso segredo
Ele agradeceu em nome de Nosso Sr. Jesus Cristo, Nossa Sra. do Rosário e Imaculada Conceição
Jantou tudo e ainda pediu cafezinho
Limpei seus cantos da boca
E lhe ajudei a deitar novamente
Perguntei se queria que eu desligasse a TV, ele disse que não
Enquanto estivesse ouvindo barulhos saberia que ainda não morreu.
Dei-lhe um beijo quantinho no rosto e ouvi um elogio sussurrado que parecia ser: JEITOSA.
Minha fome de viver faz meu coração roncar.

Comentários

Este comentário foi removido pelo autor.
Este comentário foi removido pelo autor.