Adeus sexo
Tenho dificuldade de dizer adeus!
O eterno, o transcendental fala muito daquilo que eu
acredito ser divino. Eu ainda não descobri como associei o sexo a isso tudo,
devia ser um veículo rápido e de fácil acesso ao que eu achava ser o caminho.
Adeus à fantasia mística daquela pedra dentro do ônibus, sempre
foi a única forma genuína que consegui me fazer presente.
Adeus às tardes no seven, ao caminhar saudoso na escadaria
daquele prédio antigo sem elevador no Barro Preto.
Deixo meu adeus às lembranças sujas e picantes daquele beco
de horrores na Padre Pedro Pinto.
Digo adeus ao homem que me ensinou a gostar de jazz.
Digo adeus ao homem com quem fazia amor enquanto cozinhava.
Adeus ao homem que fazia eu me sentir nua só com um olhar.
Adeus ao homem mais complexo dentro da sua simplicidade e
mais sereno com seu intelecto despretensioso.
Adeus ao homem que é irritantemente interessante quando indica
filmes.
Adeus a quem incentivou o meu gosto pela sétima arte.
Adeus aquela mulher que mesmo depois do gozo queria que ele
passasse a noite ao seu lado.
Adeus aquela mulher que criou ilusões de que poderiam ser
fieis um ao outro.
Adeus aquela vontade de manter os cabelos dele sempre
soltos.
Adeus ao desejo de tê-lo sempre como a companhia preferida
para uma cerveja.
Adeus à menina que foi incapaz de olhá-lo nos olhos dentro do
supermercado.
Adeus ao homem que sempre foi bom ouvinte, bom comentarista,
é um dos poucos com quem sempre pude ser eu mesma.
Adeus ao homem que sempre fez eu me sentir desejada por ele,
mesmo gorda.
Adeus ao primeiro homem a me levar para conhecer a cidade
maravilhosa, tentar voltar lá juntos foi uma tentativa necessariamente frustrante.
Adeus aquela mania de comparar todos os outros com ele.
Adeus aquela moça que viveu nos campos sujos e prazerosos do
seu fantástico mundo da imaginação.
Aquela moça volta à Avenida Antônio Carlos, naquela tarde
ela entra no ônibus Xangrilá a caminho de uma festa de verão. Ela tem bolsas e
roupas coloridas, todos os assentos estão ocupados, mas um homem gentil a
oferece lugar para sentar. Ela se recusa, ele oferece para levar sua bolsa, até
vagar lugar e se sentarem lado a lado. Falam de muitas coisas e ela, numa
necessidade de fazer-se interessante para ele mais do que pelos atributos
físicos, mostra-lhe um CD do Lô Borges, o livro que lia e sua pequena coleção
de pedras. Como se quisesse criar um laço, lhe entrega uma pedra e recebe um papel
com o número de telefone dele.
15 anos depois o laço silencioso cintila memórias avulsas
numa análise introspectiva, é hora de pedir a pedra de volta e ressignificar as
experiências vividas, no ônibus, na cama e na vida.
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