Ainda sonho

Ainda sonho com aquele rapaz menino, cumprido, cabelo sedoso, sorriso largo, dentes encavalados, desenhava mais ou menos, cheirava a kayak, beijava trêmulo, escrevia cartas, me achava engraçada.

Ainda sonho com uma pequena montanha, pasto verde, terra vermelha, bosta de boi, ninguém por perto, um córregozinho, água cristalina, pedrinhas, deu em xixi na cama.

Ainda sonho com um cabeludo, bebidinhas, filmes bons, filmes inacabados, músicas instrumentais, poesias de nós, livros só dele. Conversas, histórias minhas, mistérios dele, carnes, carnavais.

Ainda sonho com a  sensação genuína de ter encontrado o amor, eu nem sabia o que era isso na época. Uma fita cassete movimentada com a caneta para economizar a pilha do walkman amarelo que reproduzia: " o amor é fogo que arde sem se ver".

Ainda sonho com a confusão que o desejo me causava e que me roubava a razão. Todos os sentidos sendo usados em sua máxima capacidade, nocauteando  o cérebro cansado das precoces responsabilidades. 

A experiência do primeiro amor e daquilo, que também pode ter sido amor, que causou  notória conexão de corpos, uma mistura poética de liquidificador (sempre quiz parafrasear Cazuza com isso) que une sensações, imagens, sons, respirações, que me faz acordar querendo dormir. Mas calma aí, esse ainda não é o filme que se vê prestes a morrer. Tem muita vida ainda pra viver acordada.

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